Um livro por dia: Semana da Autobiografia, Reprise. Thomas Bernhard: O porão

Um livro por dia: Semana da Autobiografia, Reprise.  Thomas Bernhard: O porão

Linguagem original: Alemão
Título original: Der Keller. Eine Entziehung.
Ano de publicação: 1976
Tradução: Miguel Sáenz
Avaliação: altamente recomendado, quase essencial

Já sei que essa coisa de autobiografia foi há algumas semanas. Mas quão apropriado teria sido ler Bernhard naquela época. Que excelente álibi ele teria fornecido e quanta caça, ah, quanta caça.

Porque O porão É apenas a segunda parte de uma pentalogia, mal cobre mais do que alguns meses da vida do escritor e, como muitos perguntariam, vamos ver o que faz quem se atreve a pensar que o mundo está interessado na sua vida.

E, ah, quantas respostas existem aqui. Para essas e muitas outras perguntas. Bernhard não precisa de muito mais do que estas 140 páginas para isso. Demonstrando, ainda, que é um exemplo perfeito de escritor puro. Sim, os itálicos são meus. Ou que o estilo hostil, taciturno e seco, inimigo mortal do leitor de best-sellers, não é a pureza. Não é pureza insistir até ao assédio em conceitos como a pressão social, a coerção do sistema educativo, o classismo, para que estes penetrem até ao âmago e se pense que o que estão a ler os transforma como leitor, quase irreversivelmente. . Sem ser questionado, Bernhard estremece no meio de referências tão díspares quanto o mais concreto Jelinek (aquele que se resigna a ser lido) ou o mais amargo Vallejo (aquele que bate no leitor incauto), aí temos o escritor nascido em Holanda e criado numa Salzburgo devastada pela guerra, cenário onde encontramos o adolescente Bernhard, poucos meses após o fim do Terceiro Reich, decidindo deixar o instituto onde está estudando. inútil. Decidir seguir não qualquer caminho, mas o caminho oposto. Então ele vai para um escritório de ocupação (aparentemente os da Áustria do pós-guerra imediato serviram para alguma coisa) e, após rejeitar melhores opções, acaba trabalhando como aprendiz em uma loja de alimentos na cidade de Scherzhauserfeld, uma subúrbio de Salzburgo, uma loja dirigida por um personagem curioso, o Sr. Podlaha, um músico frustrado por quem logo simpatiza. As pessoas daquele bairro deprimido vão até lá buscar comida. Depois da guerra, os mantimentos são escassos, mas a cave, a loja do Sr. Podlaha onde o jovem Bernhard trabalha como aprendiz, é um local movimentado, uma pequena rota de fuga para quem lá vai.

O mérito de Bernhard é extraordinário. Nem uma frase fora do lugar, nem um floreio que não cumpra a sua função no todo. O que significa relatar aquela fase de sua vida, mas colocá-la em seu contexto em quatro traços que só um escritor de precisão majestosa pode permitir. Esses meses cabem em 140 páginas, mas há também a tensão causada pelo colapso do Terceiro Reich, a presença de tropas americanas, o enorme classismo da sociedade de Salzburgo da época, os infortúnios ocorridos no conflito e as suas consequências que são em todos os lugares (o próprio Bernhard, morando com sua mãe e seu tutor, em uma casa onde nove pessoas estão amontoadas e onde apenas o tutor ganha renda). Tanta coisa cabe em tão poucas páginas que nos perguntamos por que e a resposta só pode ser uma. Malditos gênios.

Também de Thomas Bernhard em ULAD: A origem, Sim, Sobrinho de Wittgenstein

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