Um livro por dia: James Joyce: Exilados

Um livro por dia: James Joyce: Exilados

Linguagem original: Inglês

Título original: Exilados

Tradução: Fernando Todo

Ano de publicação: 1915

Avaliação: Está bem

Entre o repertório de obras muito conhecidas de James Joyce (bem, conhecidas pelo menos no título), geralmente passa despercebida sua única incursão no mundo do teatro, que, como o leitor deve ter adivinhado astutamente, é justamente esta Exilados Vou tentar comentar. Porque, ouçam, é também para isso que serve a ULAD, para divulgar entre os seus paroquianos livros estranhos, desconhecidos, improváveis…, livros que tivemos a oportunidade de conhecer e desfrutar (ou sofrer, há de tudo).

O brilhante irlandês escreveu Exilados logo após terminar Retrato do artista adolescente e quando ele começou a construir os alicerces do Ulisses. Aparentemente, James era um admirador de Ibsen, a tal ponto que (dizem) ele aprendeu norueguês apenas para ler suas obras sem tradutor (isto é, como se diz de Unamuno com Kierkegaard). Assim, imagino o Sr. Joyce entre duas forças divergentes igualmente poderosas: por um lado, o feitiço de Ibsen, que talvez o empurrou para um modelo dramático mais ou menos convencional; e por outro, o tsunami criativo que se formava na sua cabeça, para explodir pouco depois nas suas obras mais vanguardistas.

Ou pode ser que ele simplesmente tenha aproveitado esse breve contato no teatro para acertar algumas contas com sua vida doméstica, ou para tentar colocar ordem em suas ideias. Porque Exilados Tem uma importante componente autobiográfica, como contaremos agora.

A obra é baseada em um triângulo amoroso, que não pode ser considerado muito original, pelo menos em princípio: o escritor Richard Rowanque acaba de regressar à Irlanda depois de vários anos no continente europeu, o seu parceiro Bertha (parceira, não esposa, o que parece irrelevante hoje, mas não estava na Irlanda católica há um século), e Roberto Mão, ex-amigo próximo do primeiro e companheiro de aventuras juvenis. Vamos lá, situação copiada da do próprio Joyce, sobre cujo relacionamento com sua parceira Nora – talvez curiosamente – se espalharam rumores de infidelidade com um suposto amigo em comum.

Mas este ponto de partida – como digo, nada de novo – é utilizado para explorar terrenos menos comuns. Para não revelar mais do que o necessário, direi que os papéis de enganador e enganado são transferidos de um personagem para outro, não na forma de um simples emaranhado, mas no nível intelectual, que constitui o verdadeiro eixo da obra. : a tese consiste em que a fidelidade ou a confiança não são os pilares sobre os quais o casal se apoia, mas sim a dúvida, a manutenção (ou mesmo a criação artificial) de um certo grau de incerteza. Desta forma, estimula-se o poder de um vínculo espiritual, embora não seja claro se ele domina o vínculo carnal, se o pressupõe ou se lhe é simplesmente estranho.

É nesse estresse que os personagens mergulham, uns voluntariamente, outros convertidos em mero instrumento desse mecanismo, talvez algo perverso. E o resultado é que exigem que o leitor seja escrutinado em cada frase e em cada gesto, e aparecem cheios de nuances, enquanto percorremos sentimentos e conceitos que flutuam em torno da relação e a condicionam/definim/delimitam: amizade, posse, culpa, admiração, liberdade. E também a inação, porque em Ricardo Desenha-se um tipo peculiar de herói cujo valor reside justamente em não fazer nada, para espanto dos outros.

Em suma, parece que Joyce parte de suas questões particulares, dá-lhes forma (não sei se realista ou voluntarista) e, aliás, se dedica a sondar diferentes perspectivas da relação amorosa, talvez buscando respostas para si mesmo. . O livro certamente não é o que se espera encontrar quando se tem algo de Joyce em mãos, principalmente no aspecto formal. É talvez uma obra menor, de material atípico e talvez dispensável, mas preparada com inteligência e ainda assim interessante.

Outras obras de James Joyce em A Book A Day: Dubliners, Ulysses, Finnegans Wake

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