Fight Combo: Mega Shark vs. Crocosaurus

Ok pessoal, antes que todos pulem em cima de mim por causa do título deste post (sim, este é o que é chamado uma clickbait), falemos um pouco dos monstros, aquelas criaturas aterradoras mas fascinantes que ocupam os nossos pesadelos, mas que também fazem parte, em maior ou menor grau, dos nossos momentos de lazer. Obviamente, não estou me referindo aos espécimes mutantes dos filmes B que passam na TV nas tardes de sábado, mas também aos monstros humanos muito mais frequentes que podem viver entre nós sem serem notados… E quem são esses monstros que ocupar o topo do ranking em nossas sociedades ocidentais do século XXI? Bem, por exemplo, os assassinos em série sempre cinematográficos. Os terroristas, claro… (bem, se as ideias deles coincidem com as nossas, nem tanto). E, claro, os estupradores pedófilos. O que é, e nunca pensei que escreveria esta frase, onde é que eu quero ir… Como todos sabem, na história da literatura a figura do pedófilo tem nome e livro: Humbert Humbert de lolita. Aliás, desde que surgiu esse romance de Nabokov, é preciso tê-los muito bem posicionados (seja lá o que for) para escrever outro sobre esses caras e, ainda mais, isso inclui, ainda que em parte, o ponto de vista deles. Bem, em tempos mais ou menos recentes, dois escritores latino-americanos o fizeram e sem hesitar diante de tal desafio. Como também é óbvio, os resultados não poderiam ser tão brilhantes como no caso de lolita, mas também não são desprezíveis. E, embora, é claro, não se trate de comparar dois livros de dois escritores diferentes (isso é um pouco feio), viemos aqui para brincar, então vamos ver pelo menos qual dos dois monstros causa mais arrepios:

Idioma: Espanhol

Ano de publicação: 2016

Avaliação: entre recomendado (para quem se atreve) e tudo bem

O pederasta/monstro pentápode -não há explicações sobre o título- da mexicana Liliana Blum não é aqui um ilustre eu emigrei europeu, mas sim um pequeno construtor da cidade de Durango (não me refiro à cidade basca, escusado será dizer), de nome Raymundo Betancur, homem trabalhador, formal e afável… um verdadeiro pilar da sociedade , que faz uso de sua presença tranquilizadora, de sua capacidade de organização e de sua notável astúcia para sequestrar garotas de quem abusa no porão de sua casa. Uma pequena jóia, uau.

A história é contada do ponto de vista de Cinthia, a última menina sequestrada, sua mãe desesperada, do próprio pedófilo -que assim conhecemos a natureza de seus apetites, sem torná-lo menos repugnante- e, finalmente, de um quarto personagem especialmente interessante: Aimée, uma mulher com acondroplastia que é sua namorada e cúmplice e que mais tarde lhe escreve sobre tudo o que aconteceu… Que um pedófilo tenha uma namorada anã pode parecer apenas uma ocorrência, uma piada do autor do livro, mas a verdade é que ele é uma personagem chave neste romance, e aquele que o dota não só de mais facetas, como também de maior profundidade. Deixando de lado a menina e sua mãe, claro, Aimée é a personagem mais trágica do romance, assim como aquela que humaniza uma história que, em outro caso, seria uma versão mais tosca de Chapeuzinho Vermelho e o Lobo. . Mas Aimée é a vovó e a caçadora ao mesmo tempo, vítima, cúmplice e carrasco do monstro, do Barba Azul que escraviza as meninas. Um sucesso de Liliana Blum, essa personagem, que ajuda a digerir uma história difícil de ler, pelo que conta, apesar do acabamento impecável desse romance.

Idioma: Espanhol

Ano de publicação: 2019

Avaliação: está bem

o tom de Degenerar, de Ariana Harwicz, argentina residente na França, é bem diferente; neste romance é apenas o próprio pedófilo assassino que se dirige a nós, ou melhor, aos seus concidadãos, ao juiz, aos seus pais e, sobretudo, a si próprio, numa incessante torrente de pensamentos e palavras que dela brota, um verdadeiro “fluxo de consciência” que não pretende ser coerente -e parte da graça do romance consiste em tentar descobrir até que ponto é ou não-, nem uma confissão de seu crime. De fato, o degenerado do título, cujo nome e idade exata não sabemos, embora pareça um homem mais velho, parece ser judeu e talvez de origem lituana ou russa, embora viva em uma pequena cidade no França (como o autor)- Às vezes ele proclama sua inocência, embora outras vezes seja mais claro que ele é culpado de ter estuprado e assassinado uma garota. Nem é que a clareza seja o que mais parece preocupar o autor, por outro lado.

Em todo caso, é preciso notar que tudo entra nesse fluxo de palavras e pensamentos do sujeito, menos quase o próprio crime: ele relata -assim- sua prisão e processo, as declarações do tribunal e das testemunhas, sua própria refutações… mas também, de forma muito confusa, episódios de sua infância – certamente mistificados -, memórias sobre seu relacionamento com seus pais e entre eles, suas opiniões sobre a sociedade e sua hipocrisia, etc. Finalmente, um totum revolução que é interessante e até crível como expressão de uma mente atormentada e/ou perturbada, mas mais difícil de seguir como um fio narrativo a ser guiado. A melhor coisa, eu acho, é surfar em toda a verborragia e ficar mais com a impressão geral do que com o sentido, ao pé da letra, de cada frase ou parágrafo.

É difícil simpatizar ou mesmo compreender o protagonista, embora nem tanto, pois ele cometeu um crime execrável, assim como seu caráter caótico, azedo e misantrópico. Nem com os argumentos um tanto atuais de sua legítima defesa, que podem ser resumidos como:

  1. O que é admissível em algumas sociedades e/ou épocas é perseguido em outras.
  2. Todo mundo é um “degenerado” em particular, porque quem não faz umas coisas sujas, faz outras.
  3. Sou o bode expiatório da hipocrisia social.

Digamos que ele tenta ser “celinesco” e acaba imitando os personagens “houllebecquianos”, já pouco atraentes em si. Talvez essa tenha sido a intenção da escritora, que, aparentemente, gosta de ser heterodoxa e polêmica, e nesse caso, ela conseguiu. Outra coisa é que este romance pode ser cativante ou inovador, cuja leitura é interessante, sem dúvida tanto conceitualmente quanto em termos de que se refere à técnica narrativa resultante, mas não sei se será lembrado com prazer (ou desagrado, o que não importa) por quem o ler. Como um “monstro”, então, o degenerado em questão tem muita verborragia e carece de certa consistência.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *